segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Comprando tinta no depósito do bairro

Anos atrás, fui parado numa blitz da polícia. Eu estava sem documento algum. Exatamente nada que provasse que eu sou eu! Tinha saído para comprar tinta num depósito, bem próximo à minha residência. Se eu quisesse, poderia ter ido a pé, mas fiquei com preguiça. Entrei no carro só com o dinheiro no bolso. Além do mais, diga-se de passagem, eu estava mal vestido (bermuda velha e uma camisa com furo de barata),o cabelo assanhado e a barba por fazer.

Pra quase todo tipo de pergunta, a resposta era a mesma: Em casa! Cadê a Identidade? Cadê a carteira de habilitação? Cadê o licenciamento do veículo? Uma hora, ele fez uma pergunta diferente e eu me animei: Onde você trabalha? Eu disse o nome da empresa e que ela ficava bem perto dali. Cadê o crachá? Em casa...

“Tá tudo em casa, né?”

O tira com cara de mau pediu pra eu sair do carro. Queria fazer uma revista. Depois que viu que não tinha nada de mais, perguntou o que um carro com placa de Natal estava fazendo, sem documento, em Fortaleza.

“Meu senhor, eu moro aqui, mas comprei o carro lá... Eu sou de lá!”

Nada feito, eu que desse um jeito de alguém trazer meus documentos. “Ligue pra sua esposa!” Mas eu também estava sem celular. Por sorte, havia um orelhão na esquina. Liguei a cobrar, mas ela não atendeu. Na outra esquina, tinha uma escola pública. Tentei comprar um cartão na cantina, mas estava faltando...

“Meu senhor, eu moro perto. Se eu for a pé, em dez minutos estou de volta!”.
“Nada disso, você não pode sair daqui, pois está na condição de suspeito!”.

Suspeito? O que foi que eu fiz, meu Deus?

“Então por que não vem alguém comigo?”
“Nada disso. Nós estamos trabalhando e não vamos deixar a blitz por sua causa!”.

Ele ofereceu o celular pra ligar pra minha esposa. Eu ditei os números, mas ele digitou errado. “Não tem ninguém com esse nome aqui”. Meu Deus, tava dando tudo errado! Como pode uma coisa dessa acontecer comigo?

O cara ficou mais desconfiado e perguntou se eu sabia meu CPF decorado. Ufa, até que enfim, uma pergunta legal! Ele disse que ia ligar para a central, pelo rádio, e perguntar se eu tava fichado. Olha as coisas melhorando, eu pensei. Vão dizer que eu tô limpo e eu vou poder, finalmente, comprar minha tinta em paz.

Mas acontece que o rádio tava sem sinal...

Já havia se passado mais de uma hora nessa brincadeira. Eu só pensava que minha esposa estava preocupada comigo, que demorava tanto pra chegar com a tinta. Nessa hora, alguém se apiedou de mim e disse: “A gente tá vendo que o senhor é um cidadão de bem e vamos liberá-lo. Pode ir!”

Meu Deus, por que passaram tanto tempo pra notar que eu era um cidadão de bem? Precisava disso tudo? Mas eles só estavam fazendo o trabalho deles. Nunca mais saio de casa sem documento. Mesmo que seja só pra comprar tinta no depósito do bairro...
5 Thiago de Góes: Comprando tinta no depósito do bairro Anos atrás, fui parado numa blitz da polícia. Eu estava sem documento algum. Exatamente nada que provasse que eu sou eu! Tinha saído para co...

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